COMPRA-SE UM PRECIPÍCIO
“Compra-se um precipício.”
Assim anunciei no jornal da cidade, mas as ofertas que surgiam não atendiam às minhas necessidades. Eram produtos modernos, alguns virtuais, com funções nada convencionais. Não quero um precipício qualquer. Quero um natural, em plena atividade, com recolhedouro de fertilidades e derramamento de milagres e mistérios. Um precipício que tenha paredes vegetativas onde vicejam conversas de pássaros e ensaios de aves em início de voação. Que seja preparatório de gestações primaveris em ninhos de cores, e abrigo seguro para voos cansados de vespertinas expedições. Um que guarde vida lá dentro, pulsando em cada balanço de folha, com paredes vegetativas e frestas suficientes para receber raios de sol e fios de águas deslizantes. Procuro um precipício cujo risco de morrer se misture ao êxtase da contemplação e me impulsione a viver. Seja ele pleno de imagens geradoras de infinitos, não pela grandiosidade assustadora, mas pelo contraste com a humana pequenez e onde a misteriosa profundidade suscite reflexões sobre a convivência harmoniosa entre as pessoas. Que seu eco me responda quando eu clamar... (amar... (amar... (amar... Quero um precipício cheio de cores, silêncios e harmonia e, bem lá no fundo, haja um depósito de medos para igualar os humanos e produzir humildade. Que o limite entre homem e natureza seja um tênue fio onde estejam penduradas lições de amadurecer. Um precipício para guardar olhares extasiados ante a misteriosidade do abismo e fazer pensar que a vida vale a pena quando se conjuga o verbo amar. Procuro algo assim forte, profundo e grandioso, para perceber minha fragilidade e, por causa dele, entender que é imperioso voar para não morrer. Que na sua superfície, a proporcionalidade me ensine a simplicidade como beleza maior nesta humana realidade. São estas as condições para o negócio acontecer. Haverá alguém disposto a vender? (Do livro: "Bazar dos Poetas", p. 97) (Imagem: internet) Ileides Muller
Enviado por Ileides Muller em 12/12/2018
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